Na minha casa, a leitura sempre foi um ato tão natural quanto respirar - um verdadeiro privilégio herdado de meus pais. Sempre estranhei a ausência de estantes de livros nas casas que visitava. Acho até que eu era vista com estranheza, por gostar de ler e saber bastante a respeito de várias histórias - coisa de quem não aproveitava bem a vida... Mas os livros enchem a vida de encantos, como também de realidade. Triste de quem não pode ter o privilégio de crescer acompanhado de fadas, bruxas e sacis, da Tia Nastácia, da Cuca e da boneca Emília, de heróis da mitologia, reis, rainhas, princesas e príncipes, além de sapos, ogros e vilões.
Essa boa influência seguiu por toda a minha vida escolar. Estive em colégios que sempre valorizaram o conhecimento e o aprender para compreender o mundo e a vida, por meio de discussões e da atuação em grupos. Além de participar das aulas regulares, pude estudar música, teatro e poesia, atuar em grêmios estudantis, promover festas e disputar campeonatos esportivos e gincanas na minha escola e em outros colégios, desenvolvendo a capacidade de conviver em grupo e ampliando o raciocínio, os valores e a tenacidade diante dos problemas. Isso foi obra de grandes mestres, coordenadores e diretores, cujos nomes e semblantes não esqueço e que tenho a alegria de rever nos eventuais encontros de turma. Conviver com eles foi um privilégio, principalmente durante os tempos bicudos da ditadura, quando não havia espaço para a liberdade de expressão ou para demonstrações mais impetuosas.
A Educação escolar é o braço comprido da Educação iniciada em casa. É a gradual expansão de nossa sociabilidade e de nossos conhecimentos, orientada por exemplos e valores, como na família desde que nascemos. A família de hoje tem configurações diversas e, certamente, todos têm menos tempo para essa função do que na época de minha infância. Mães e pais precisam trabalhar para garantir a sobrevivência, isso quando o pai está presente. Mães que criam filhos sozinhas constituem uma realidade comum, reconhecida por governos, que exigem apenas o nome delas no censo e nos documentos. Assim, entre garantir a sobrevivência, o que é o caso da maioria, ou garanti-la e privilegiar o prazer, caso de alguns, a Educação das crianças vai ficando em segundo plano e sendo transferida para a escola, muitas vezes sem que sejam cumpridos em casa os passos iniciais de sociabilidade, de exemplos e de valores tão importantes. Mas quem são as pessoas que estão agindo nas escolas? Quem são nossos professores e diretores? Eles também são frutos dessas mesmas famílias.
Por isso, ter uma professora ou um professor preparado para exercer bem sua função, formado com toda a especialização necessária para cumprir sua atividade é o primeiro passo para que a Educação de TODAS as crianças tenha qualidade. Um bom gestor, atento ao ambiente escolar, consciente do seu papel de "maestro da orquestra" e com a visão de promover a aprendizagem de todos é o segundo passo. O desenvolvimento de seres humanos conscientes do mundo que os cerca, autônomos e aptos a transformá-lo, quando necessário, só se dá quando a formação dos indivíduos está fundamentada em valores, cujo exemplo está em outros indivíduos. Entender este papel é meio caminho andado para todos que se dizem educadores e querem exercer essa função - professores e gestores. Como pais, somos apresentadores e guardiões dos valores. Como educadores, ampliamos esses valores e promovemos a discussão e a reflexão dos seus significados e funções. Em ambos os casos, servimos de modelo. O conhecimento disponível no mundo só se torna útil quando é impulsionado pelos valores que absorvemos nos anos de nossa formação, adotados em nosso dia a dia. Eis a importância do papel daqueles que nos ensinam! Eis a grandeza da Educação na minha vida.
Angela Dannemann é engenheira química, especializada em Administração e Gestão. Atua como Diretora Executiva da Fundação Victor Civita e é conselheira do Educar para Crescer.